Em uma obra audaciosa, o cinema abre espaço para um dos filmes mais bem realizados dos dias atuais, usando o teatro como base

Texto: Eduardo Abbas
Fotos: FOX

Quem nunca falou sozinho em casa ou mesmo olhando no espelho? Desde criança criamos nossos amigos imaginĂ¡rios e com eles trocamos confidĂªncias, contamos nossas amarguras e alegrias, nos relacionamos muito melhor que com as pessoas que nos rodeiam. Ă€s vezes, essa relaĂ§Ă£o pode se tornar um grande empecilho, criar duas identidades e ambas lutarem atĂ© o mais forte sobrepujar o menos preparado.


Esse tipo de dupla personalidade Ă© muito comum entre os atores, sejam homens ou mulheres, tem gente que resolve assumir a vida do seu personagem e viver eternamente a fantasia do imortal. Nesses casos, o mundo se afasta de quem jĂ¡ nĂ£o estĂ¡ mais tĂ£o perto da realidade que vivemos, e aĂ­, tudo pode acontecer.


Essa introduĂ§Ă£o quase psicolĂ³gica Ă© uma forma de mostrar mais ou menos como foi pensado um dos filmes mais impressionantes dos Ăºltimos tempos. Trata-se de uma obra de humor negro, mas com grande pĂ© na realidade, coloca em xeque algumas questões menos conhecidas do pĂºblico e resgata, de uma forma sublime, dois Ă­cones do cinema: o teatro e Michael Keaton.


Birdman ou A Inesperada Virtude da IgnorĂ¢ncia (Fox Searchlight Pictures; Regency Enterprises; New Regency; M Productions; Le Grisbi; Fox) Ă© uma obra que conta a histĂ³ria de Riggan (Michael Keaton, provavelmente em um dos melhores papeis da vida), um ator famoso por interpretar um icĂ´nico super-herĂ³i – enquanto ele faz de tudo para montar uma peça na Broadway. Ă€s vĂ©speras da estrĂ©ia, ele vai lutar com seu ego e tentar recuperar sua famĂ­lia, sua carreira e ele mesmo.


Parece assim, a grosso modo, um melodrama dos mais chatos, mas engana-se e vai se surpreender quem assistir a esse filme, que estrĂ©ia na quinta-feira em todo o Brasil, pela esmerada tĂ©cnica em ser realizado em plano seqĂ¼Ăªncia.


É um trabalho de direĂ§Ă£o feito pelo mexicano Alejandro G. IĂ±Ă¡rritu (Babel e Amores Brutos) que tambĂ©m assina o roteiro com NicolĂ¡s Giacobone, Alexander Dinelaris, Jr. e Armando Bo e a produĂ§Ă£o junto com John Lesher (Marcados Para Morrer), Arnon Milchan (12 Anos De EscravidĂ£o) e James W. Skotchdopole (Django Livre), uma turma da pesada e que entrou na lista da premiaĂ§Ă£o do Oscar® de 2015 nas categorias filme, roteiro original e direĂ§Ă£o. SĂ£o ao todo 9 indicações.


A utilizaĂ§Ă£o de steadicam, gruas, drones e com uma iluminaĂ§Ă£o de aspecto amplo deram a obra uma cara mais de documentĂ¡rio, claro que esse Ă© um truque para disfarçar os diversos cortes em momento de mudanças de cenĂ¡rio que acontecem, mas trazem para o espectador a impressĂ£o de se tratar de um ato contĂ­nuo, onde apenas na parte final tem uma ediĂ§Ă£o mais tradicional.


Um dos pontos mais desafiadores e charmosos do filme Ă© o fato de ser todo realizado em Nova York, nas ruas prĂ³ximas Ă  Broadway e nos pontos mais movimentados do coraĂ§Ă£o do mundo. Durante os 30 dias de filmagem (pouco se comparado a outros filmes menos desafiadores) os cenĂ¡rios naturais da cidade praticamente tiveram que se adaptar ao enredo complexo da obra.


A fotografia do tambĂ©m mexicano Emmanuel Lubezki (Gravidade) surpreende em textura e qualidade na contraluz, em nenhum momento os pontos quentes do cenĂ¡rio se sobrepõem ao rosto ou a aĂ§Ă£o que os personagens executam, ele soube usar com muita destreza toda tecnologia colocada Ă  disposiĂ§Ă£o para a execuĂ§Ă£o do filme, com isso ele foi indicado ao Oscar® de melhor fotografia.


Mas tambĂ©m Ă© um filme de talentos individuais entre os atores. O cast escolhido Ă© de uma qualidade individual que nĂ£o deixa dĂºvidas e valoriza mais a obra como um todo e os personagens principais foram indicados ao prĂªmio mĂ¡ximo da academia. Michael Keaton (que assume a velhice e mostra uma refinada tĂ©cnica de grande ator) concorre ao prĂªmio de melhor ator, o sempre surpreendente e espetacular (inclusive pelo nome!) Edward Norton (que vive o personagem Mike) concorre a ator coadjuvante e a sempre linda e competente Emma Stone (que vive Sam, a filha de Riggan) concorre na categoria atriz coadjuvante.


NĂ£o perca tempo, encare a fila do cinema o quanto antes, veja, reveja e reflita sobre Birdman, viva o teatro na tela, entenda a essĂªncia da atuaĂ§Ă£o e da criaĂ§Ă£o em sua forma mais simples, porĂ©m competente, e se deixe levar pela magia que sĂ³ o cinema pode proporcionar.


A gente se encontra na semana que vĂªm!

Beijos & queijos

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